O que Ele quer de mim?

Setembro chegou. O de 2014 está bem diferente. Com a chegada do novo mês veio também a lembrança do escuro setembro do ano passado. Comecei a refletir sobre minha vida e as coisas que passei em 2013, uma depressão disfarçada na correria da vida, o menino herói que corre pra lá e pra cá, fazendo tudo o tempo todo, atendendo a todas as necessidades ao redor, com um futuro brilhante pela frente, fazendo 2 faculdades, seminário, um prodígio. Quem dera. Um menino machucado pela realidade rodeada de pessoas o tempo todo, mas tão solitária e sozinha que não via mais razão para a próxima batida do coração. Um garoto corroído e se correndo em seu interior tentando sobreviver, fôlego após fôlego.
Dia 15 de setembro eu completo 1 ano de tentativa de suicídio, mas não é só essa data significativa, vai muito além do dia. Nesse período do ano, em 2013, comecei a ter meus primeiros surtos de esquizofrenia, ouvindo vozes tão reais (se não mais reais) quanto a de uma pessoa. Nada de "vozes na mente", a sensação é fisiológica, elas estavam ali!
Certa vez tive de cancelar um compromisso para atender um estudante que estava dando sinais de depressão, ao comunicar a pessoa do compromisso, recebi uma série de versículos que propunham "palavras de vitória e atos de fé" para que eu "curasse o estudante, na autoridade do nome de Jesus". Aquele momento me chocou. Como podemos reduzir a complexidade e a subjetividade dos indivíduos a versículos chavões, desviados de seus contextos, sem ao menos ouvir a esses indivíduos achando que "vamos fazer uma boa ação e curá-lo"? Como podemos ser tão agressivos? Cremos que Jesus é a resposta, mas sequer nos disponibilizamos a ouvir a pergunta. John Stott propõe uma lógica totalmente diferente em seu livro "Ouça o Espírito Ouça o Mundo". Ao mesmo tempo que me chateia a situação, me chateio com o contexto em que ela ocorre. Ela ocorre com pessoas sinceras, puras, pessoas que realmente acreditam que estão fazendo o bem. Pessoas que aprendem em seus púlpitos que depressão é simples assim, é falta de fé, que cura se resume a versículos lidos, que atos proféticos "movem a mão de Deus em nosso favor". Igreja, o que aconteceu com você?
Ao retomar o pensamento de minha experiência sombria, penso hoje no significado de cada palavra outrora ouvida no silêncio da minha alma amedrontada. O amigo abandonado pela infidelidade daquele a quem tinha toda estima e confiança. O garoto cheio de esperanças sobre uma amizade duradoura e permanente que geraria frutos, o "amigo pra vida toda", agora é deparado com o cenário de não ter mais as conversas a noite pelo Skype, não mais dividir os finais de semana para orar juntos e virar a noite conversando, cada sábado trazia consigo uma dor tão grande, cujas lágrimas pareciam não conseguir expressar a integralidade do sentimento. Todo esse estado de profunda mágoa cegava os olhos para novos horizontes, para novas amizades, para ver o cuidado através de novas formas. Como pude, não ver o carinho de Deus através da vida, através de gestos, de pessoas, de situações? É, uma pessoa em depressão é assim. Será que ao menos estamos sensíveis a ouvir esses clamores e angústias? Ou estamos preocupados e ocupados demais "governando com Cristo nas regiões celestes"? Importa dizer que enquanto estamos preocupados demais com essa espiritualidade alienada, que despreza as complexidades do indivíduo, essa espiritualidade que coloca todo mundo em uma caixinha de indivíduos que precisam buscar suas experiências com Deus, enquanto a maior preocupação de vocês é terem reuniões com epifanias e acontecimentos sobrenaturais, ou estimular as pessoas a "viverem as maravilhas", eu estou no meu quarto, sozinho ouvindo repetidamente "abandono, abandono, abandono", "desprezo, desprezo, desprezo", "rejeição, rejeição, rejeição", "dor, dor, dor", "solidão, solidão, solidão". Eu estava lá, lutando contra essas vozes que se repetiam simultaneamente, intensamente, me oprimindo no vazio.

O Bob, cristão, missionário, líder. O Luiz Fernando, filho, homem, humano.

Desde essa minha experiência começo a perceber que a complexidade da vida de fé não pode ser resolvida de maneira tão simples. Nesse processo, a água não parou de bater forte. Rechaças por causa da fé em meio ao ambiente acadêmico, conflitos no diálogo entre minha pesquisa em geografia da religião e minha fé, mantenedores que não doam mais, compromissos financeiros assumidos, fases de intensa transição no ministério, desapontamento com estruturas de trabalho, fadiga de uma realidade assoladora que se nega entre a igreja, pessoas passando pelos conflitos que passei, das quais me sinto responsável, tantas outras vivendo as crises que hoje me cercam. A água não parou de bater, mas decidi canalizar. Canalizar para jorrar vida, vida ao redor dos que me permeiam, vida aos que encontro vagando pela existência. Perfeição? Heroismo da fé? Não, bem longe disso. Vulnerabilidade, sensibilidade, aceitar uma vida de fé que permite complexidades e subjetividades é permitir Cristo governar também sobre a sua humanidade!
Fico refletindo nesse tempo, olhando pra toda a minha história, questiono-me sobre "o que Ele quer de mim?" e percebo que a resposta passa da simples resposta "Ele quer usar você para impactar as nações da Terra". Essa caixinha de declarações gerais e genéricas não cabem mais. O que Ele quer de mim? Ele quer minha humanidade, minha subjetividade, minha espacialidade simbólica. Ele quer minhas lágrimas, minhas dúvidas, meus medos. Ele quer minha coragem, minha disciplina, minha entrega. Ele quer minha não certeza, minha consciência de desconhecer. Ele quer que eu caminhe em direção ao amor perfeito d'Ele. E meus amores? Minhas paixões? E a legitimidade dos sentimentos tão "profanos" mas tão belos que existem em mim? E o orgulho disfarçado de auto-conquista? E a arrogância pintada em tons de convicção? E meu amor pelo outro, tão belo, tão puro, tão sincero, que na verdade usa máscara pois revela meu egoismo, meu desejo de satisfazer-me a mim mesmo com meus desejos, pulsões e impulsos? E o amor? Como ele é?
Não sabemos amar! Precisamos entender que as vezes nosso amor não é o verdadeiro amor. Tem uma música que eu gosto muito. Ela é bem sharamanaias, mas ok, já passei da fase de ficar velando isso. É em inglês, a letra diz assim
"Eu acreditei uma vez que o amor era romance, apenas uma chance.   Eu até pensei que o amor era para a sorte e o belo Eu acreditei uma vez que o amor era uma felicidade momentânea Mas o amor é mais do que isso   Tudo que você sempre quis foi a minha atenção   Tudo o que você queria era amor de mim   Tudo que você sempre quis foi meu afeto, a sentar-se aqui aos Teus pés   Então me diga 'O que o amor se parece?' é a pergunta que eu estive pensando   'O que o amor se parece?' Então me sentei, um pouco frustrado e confuso   Se tudo na vida se resume a amar Então, o amor tem que ser mais do que o sentimento Mais de egoísmo e ganho egoísta E então eu vi ali, pendurado em uma árvore, olhando para mim O vi lá, pendurado em uma árvore, olhando para mim Ele estava olhando para mim, olhando para ele, olhando através de mim Eu não podia escapar aqueles belos olhos E eu comecei a chorar e chorar Ele tinha os braços bem abertos, coração exposto Braços abertos; Ele estava sangrando, sangrando" 
Para mim, isso é amor perfeito e minha vida não deve ser em direção a viver amores, a atender aos meus amores, mas em responder a esse amor, porque só esse amor é perfeito!
Encerro com o vídeo que gravei, um ano atrás, quando tentei me matar. Resolvi postar isso aqui no dia 16, pra lembrar que o dia 15 sempre acaba, uma nova manhã nasce e Ele renova misericórdia e graça sobre nossas vidas e eu só preciso dessa porção de misericórdia e graça que se renovaram pra mim hoje.


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