É na dor que eu existo

Eu acordo de manhã e começo a me arrumar, tomo banho, arrumo a mala e vou ficando animado. Quando estou pronto para sair de casa e viver o dia, o desânimo e o medo vem de encontro e me nocauteiam com um golpe só. Eu estava bem, eu estava ficando feliz, estava me animando e repentinamente eu estou deitado sem conseguir ter forças pra ficar bem… Como isso é horrível! Acho que esse processo todo tem sido muito intenso e provocativo pra mim. É difícil falar da dor. É difícil sentir a dor. Eu realmente gostaria que tudo fosse diferente e que fosse mais fácil lidar com tudo isso, mas existem complexidades do processo que não são resolvidas com um “Se anima, jovem, levanta da cama e vai viver o dia”. Existem complexidades que não se resolvem com um conselho do que fazer e como reagir. A vida não é tão simples e os sentimentos também não! Entender tudo o que tenho vivido e encontrar paz no processo tem sido um desafio distante demais de se conseguir alcançar, mas não vou desistir, como diz o poeta militante “da luta não me retiro”, sendo que eu sou minha maior militância agora…
O processo tem passado e nele eu tenho descoberto diversas facetas de mim mesmo. Tenho entrado em lugares e percebido dimensões do meu “eu” (myself), que nunca imaginei que existissem. Fico pensando em como a rotina e a correria da vida são capazes de nos anular dos outros e da realidade mas nos anular de nós mesmos também. Vivemos de segunda a segunda uma agenda cheia de demandas a atender e de necessidades a responder e não estou falando apenas das atividades realizadas naquilo que chamamos de trabalho. Muitas coisas que envolvem e vida e as relações, hoje em dia, são e se deixam ser meramente a ocupação vazia dos segundos e minutos que existem nas 24 horas de um dia.
Estar afastado de tudo e “sem nada” pra fazer é um desafio por demais doloroso, parece que eu não me suporto em mim mesmo. Nesse processo, aprender a me bastar, aprender a me encontrar, aprender a me suportar tem sido um desafio que as vezes me impulsiona, mas as vezes me derruba, tem sido o desafio mais difícil e atual que enfrento. Estamos falando de aprender a existir em mim e por mim mesmo.
Você pode pensar agora “Mas, Bob, você existe em Deus, busque sua identidade n’Ele” e todo esse blablablá, mas não é disso que estou tentando falar agora, o desafio agora é conseguir me encontrar em mim mesmo… Eu não estou desconsiderando Deus do processo, nem afastando Deus de mim, só estou falando que a obra de reconciliação citada em II Co (especialmente capítulos 4, 5 e 6) envolve também a minha reconciliação comigo mesmo. Envolve a minha reconciliação com quem eu sou. Cristo veio para reconciliar a minha identidade, Cristo veio para que eu pudesse ser um indivíduo inteiro e integral e é sobre isso que eu estou falando agora. O tesouro fica escondido em vaso de barro (II Co 4) e agora eu estou falando do barro que compõe e faz o vaso ser o que é.
As vezes parece que eu briguei comigo, parece que eu fugi de mim mesmo. O tempo em silêncio reverberam de maneira desafiadora e sinistra. Estar comigo mesmo é desconfortável, não me basto em mim. Todo esse desconforto acontece porque nós não aprendemos a nos encontrar em nós mesmos. Não aprendemos a nos aturarmos, a nos suportarmos. Transferimos essa tarefa a qualquer terceiro. Trabalho, estudos, amigos, enfim, qualquer coisa que preencha com qualquer ocupação vazia os segundos e minutos que existem nas 24 horas de um dia.
Um dos esforços que tenho feito tem sido a leitura do livro “Transforma meu pranto em dança” do renomado teólogo e professor universitário Henri Nouwen. Ainda é difícil ler, infelizmente não consigo me concentrar como conseguia antes, mas o esforço contínuo tem valido muito a pena e tem surtido efeitos positivos. O livro é curto e eu não consegui terminá-lo ainda, mesmo depois de um mês lendo, mas não me sinto (ou tento não me sentir) culpado por isso. Várias são as frases que eu marquei pra mim como destaque nesse livro, dentre elas a seguinte frase:
“[…] a vida cresce em plenitude através da espera e, frequentemente, do sofrimento.”
Toda essa dor e toda essa angústia que tenho vivido nos últimos dias tem servido para eu descobrir que eu existo e descobrir como eu existo  em mim mesmo. Vivi certo tempo da minha vida ajudando e dando suporte a outras pessoas, o ministério fez a minha vida ser um constante doar-me e entregar-me. É claro que em si mesmo isso não tem nada de ruim, mas a medida em que isso aconteceu foi demasiado intensa. Eu me perdi no meio de toda essa atividade, eu ocupei as 24 horas do meu dia com isso e agora é difícil pra mim conseguir me encontrar em mim. É possível que, nesse sentido, o ministério nem seja o ponto central da crise, mas o simples exarcebar-se em ocupar-se. É possível que, em certo sentido, mesmo que eu tivesse me ocupado demasiadamente com outra coisa essa outra coisa me seria destrututiva também. Essa é uma resposta que nunca vou ter e que não cabe buscar. O que eu sei e posso dizer é que no ministério encontramos muita dor, encontramos muito sofrimento. Tem muita gente em crise, tem muita gente precisando ser cuidada.  Tem muita dor pra ser tratada e tem muito processo profundo acontecendo! Me deparei com uma dimensão de dor angústia que jamais imaginei existir no plano da realidade e fui surpeendido com o fato de que estar disponível nesse processo é estar em constante entrega, estar em contante doação. A dor de muita gente doeu e ainda doi em mim.
Junto disso tem uma decepção tão profunda e intensa que não consigo nem digitar e expressar. A dor de ser traído e trocado sem pensar duas vezes. A dor de ser rejeitado e deixado de lado por quem você mais amou! Quanto a esse sofrimento prefiro não comentar. Ainda não estou pronto para encará-lo, dói demais conviver com ele todos os dias e sei que a luta que citei no primeiro parágrafo bem muito dessa dor. Mas isso deixamos para outro post.
Talvez esse post possa parecer confuso e contraditório, mas o que quero falar é que podemos deixar a dor ser um meio de descoberta de quem somos, o meio pelo qual acontece o “crescimento em plenitude” citado por Nouwen. É na dor que eu posso ver dimensões que eu nunca vi de mim mesmo. É na dor que eu me encontro comigo mesmo. É pela dor que eu aprendo um pouco mais sobre quem eu sou, sobre o que eu me tornei. É claro que esse processo é difícil, incomoda, machuca e fere, estamos falando de dor e falar de dor é falar de sofrimento, mas mesmo com toda essa dimensão tenebrosa é possível encontrarmos alguma dimensão de beleza nessa caminhada.
Eu não quero ser tolo e propor a você que viver essa caminhada vai, de alguma forma, consolar ou amenizar a dor. A dor é profunda, desagradável, difícil de conviver e lidar… O meu ponto aqui é que mesmo na dor existe a [re]descoberta e podemos celebrar isso no processo. É possível aproveitarmos a dor para nos conectarmos com as profundezas que existem em nós mesmos.
É claro que está difícil, é claro que está doento e é claro que não estou feliz. Falar “estou bem” é uma expressão forte demais para me definir. O que posso dizer é que estou, mais do que nunca, me sentindo um ser que existe, um ser que é e está. Sem complementação depois dos verbos, simplesmente e tão somente é e está. Isso basta! Não tenho grandes referências bibliográficas e grandes teóricos para embasar meus posicionamento e pensamentos, mas posso dizer com uma certa franqueza e sinceridade que talvez não seja necessariamente o “penso, logo existo” que se encaixe no processo, mas sim uma possível afirmação de que “é na dor que eu existo”!
Meu desejo hoje é que toda a dor possa significar um profundo conectar-se e encontrar-se consigo mesmo. Meu desejo hoje é que de tantas dores que vi, ouvi e vivi na caminhada, cada protagonista que a sofre tenha a oportunidade de encontrar nesse tenebroso e sinistro momento uma dimensão mais profunda de quem é. Crer que Deus não está alheio à dor e ao sofrimento é também crer que Ele move algo nessa dimensão e que esse algo que Ele move está intimamente ligado ao que Ele está fazendo em nós.
Ainda demoro para escrever, ainda tenho dificuldades de ler, mas sigo lutando por mim. Nunca imaginei que fosse tão difícil lutar contra tudo isso, mas desistir não é uma possibilidade agora! Se for pra dar algum brado nessa caminhada, que seja o brado que ecoa nos encontros de resistência: FIRMES! FIRMES!

Comentários

  1. Bob!

    Tenho acompanhado seu blog, sua luta e seu caminhar, na perspectiva que cada post seja melhor que o anterior (como esse já o foi).

    Também admiro Henri Nouwen não só pela teologia, mas pela história de vida desse cara. Assim como admiro a sua coragem de compartilhar os seus desafios (que são o de inúmeras pessoas que também acompanham seu blog).

    Acredito, que como diz Nouwen, "a glória vem oculta no sofrimento". Esse processo de luta e de dor faz parte do processo para que você descubra quem você é, e se vença. Todos passamos por isso, todos os dias! E é bom que se diga, que apesar das fragilidades, você é muito forte, intenso e peculiar. Aí está a beleza!

    Se no próximo post ainda não vier a dança. Estaremos unidos para chorar com você (ainda que distantes)!

    "Observe as maravilhosas e exuberantes flores pintadas pelo famoso pintor holandês Vicente van Gogh. Quanto pesar, quanta tristeza, quanta melancolia experimentou em sua complicada vida! E, ao mesmo tempo, quanta beleza, quanto êxtase! Vendo as suas vibrantes pinturas dos girassóis, quem pode dizer onde termina o lamento e onde começa a dança? Nossa glória vem oculta no sofrimento, se permitimos que o próprio Deus dê a si próprio como presente em nossa experiência de dor. Se nos voltamos para Deus, sem nos rebelarmos contra nossa ferida, permitimos que ele a transforme em bem ainda maior. E deixamos que outros se unam a nós e descubram isso conosco". (Henri Nouwen em Transforma meu pranto em dança)

    Abraço!

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    1. Grande Caio, que alegria te responder.

      Antes de mais nada perdão pela demora na resposta. Eu não recebo notificação de comentários e só vi seu comentário agora...

      Obrigado por cada palavra escrita aqui. Você me encoraja e me anima a seguir caminhando!

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  2. Que coincidência engraçada! Acabei de ver um vídeo sobre a dança enquanto proposta pedagógica e me atentei, mais uma vez, para a força de nossa existência corporal. Acho que temos calado (porque estamos imersos essa sociedade louca do "penso e logo existo") essa "parte" de nós, exatamente porque temos nos fragmentado em mente e corpo, colocando o primeiro em evidência. Mas tudo é corpo. Somos inteiramente corpo. O nosso corpo pensa não só com a mente, mas também com os pés, as mãos o intestino, o coração, o nariz, a testa...Mas nessa sociedade obcecada pela produtividade, tanto do conhecimento quanto de coisas materiais, precisamos calar e disciplinar e isolar partes de nós mesmos em prol de sei-lá-o-quê!E não conseguimos ter a noção do quanto isso é prejudicial pra nós mesmos!
    E antes de ler, pensei em te escrever apenas "dançe, Bob!", mas temi que seria um conselho vazio. Mas agora vejo que eu estava equivocada!
    Que transformemos nosso pranto em dança, literalmente em dança, ou.....que possamos dançar o nosso pranto!

    Beijo!

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    1. Talitha, desculpa a demora em responder, só vi seu comentário agora... ...

      Obrigado por todo apoio e carinho, me sinto muito amado, acolhido e querido por você!!! Enquanto meu corpo existir, vou dançar o que sentir...

      Abraço!!

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