Sobre o lugar da oração no momento de crise…

Acabei de sair de um dos meus surtos. É início de tarde, o tic-tac do relógio parece demorar mais do que o normal. Crise compulsiva de choro, sensação de sufocamento, irritabilidade aguçada, movimentos para frente e para trás com o corpo, inquietação e sentimento de pressão nos ombros. O desgaste investido para lutar contra isso é enorme e eu saio da batalha exausto. O dia hoje vai ser longo e a noite eterna! Eu só quero que isso acabe o mais rápido possível. Deus, onde estás que não respondes?
Chegou a noite, meu pai chegou do trabalho e minha mãe já está em casa, eles iriam para o culto, mas como minha mãe acompanhou meu surto pela manhã, decidiram não ir. Infelizmente não consegui me aguentar e tive outro surto!! Dois no dia. No segundo surto, de noite e com meu pai em casa, a esquizofrenia veio de leve se somando ao processo. Me perco em pensamentos e sentimentos que me atormentam, me assombram, me desfazem, me ferem, me encobrem e me afastam da realidade. Meu pai me toma em seus braços, eu não paro de me rebater e gritar, a dor da luta e do desgaste é quase como em carne viva. Estou tentando manter a calma, mas meus sentimentos não cabem em mim e eu me perco na alucinação causada pela psicose. Entre gritos, lágrimas e agitações do corpo, minha alma clama por libertação, meu coração clama por vida e minha mente clama por paz. Meu maior desejo é que esse inferno acabe logo e tudo fique bem de novo! Tudo o que construi lendo e estudando de nada me serve nesse momento. Se no versículo bíblico o salmista diz que “diriam as nações: onde está o teu Deus?” eu faço minhas as palavras das nações. Deus, onde estás?

A imagem da traição, que não sai da memória e me atormenta todos os dias, agora ganha força com imagens do sorriso de quem traiu com aqueles a quem já chamei de amigos chegados e que hoje me desprezam, me ignoram e me rejeitam. Péssimo momento para imagens como essa, eu simplesmente não dei conta e caí em surtos. A culpa não é de ninguém se não de quem traiu e hoje segue como se nada tivesse acontecido, mas não tenho forças para me ater a isso agora.

O ponto é que com essa crise desencadeada sou confrontado com todo o meu processo e todas as conquistas e vitórias até aqui celebradas são colocadas em questão. Pensei que eu estivesse ficando bem, mas a traiçoeira realidade parece me dar mais uma rasteira. Eu estava celebrando as pequenas conquistas diárias e agora estou aqui, perdendo um dia inteiro na frente do computador sem conseguir escrever, sem conseguir produzir. E isso tudo porque já faz alguns dias que eu tive o surto que comentei no primeiro parágrafo! Simplesmente não superei, não consegui tirar da mente a ideia de estar doente mental.

Passo o dia na cama, lutando contra todos os pensamentos horríveis que apareceram na minha mente. Ontem foi uma noite intensa e hoje eu fiquei mal pelo que vivi na noite anterior. Um breve surtou tornou a noite escura e fria. Quando é que essa crise toda vai embora? Eu preciso ficar bem logo!! A família reunida na sala rindo das coisas e da vida e eu no quarto deitado, chorando e tentando me acalmar. As vozes parecem querer vir, mas minha luta não vai parar enquanto isso tudo não passar. Passei o dia na cama lutando pra não me deixar abater pelas lembranças da noite anterior e pelos pensamentos que me atormentam todos os dias. A luta pra ficar bem é a mais dífícil agora, eu passei o dia tentando encontrar forças pra ficar de pé e sair da cama, mas a realidade foi completamente diferente. Passei o dia deitado de olhos fechados ansiando dormir para que o dia acabasse logo e que tudo fosse embora. A minha mente é perversa, maldosa e insensível, o meu coração é traiçoeiro e está conta mim, minha alma está fraca, ferida e desolada e meu espírito está toalmente sem forças. Consegui levantar depois de mais de 20 horas deitado sem conseguir ficar bem. Levantar foi um esforço sobrenatural, mas se é necessário fazê-lo, vou me dedicar nisso. Não posso me render agora.

Sentei pra tentar produzir algo, coloquei o fone e deixei a música levar meus pensamentos. O tempo passou e aquela abstração me deixou ‘são’ por um tempo, até que a ansiedade começou a surgir tão sorrateira e calada que quando estourou já estava forte demais. Eu tentei ler um pouco pra me acalmar, consegui avançar mais um capítulo, mas não teve jeito. Como se já não fosse difícil o bastante, vi que os vínculos só se romperam pro meu lado, pois pro lado de quem me traiu os vínculos continuam fortes e duradouros. Quem me traiu segue produzindo textos, sendo publicado e compartilhado pelos amigos, enquanto eu me perco em delírios e surtos e não sou sequer lido pelos tais companheiros de missão. Sinto falta dos meus amigos perguntando como eu estou, me chamando para conversar, me enviando mensagens pra contar a vida. Sinto falta de visitar os amigos e de passar longas horas fazendo “vários nadas” na companhia de quem me chamava de amigo de alma. Querem me fazer sentir culpado por isso, de alguma forma traiçoeira quem me traiu conseguiu manipular tudo e colocar todos contra mim. Agora é o momento de ver que aqueles a quem você já chamou de amigo não são tão amigos assim. Aquele a quem você já amou com todas as forças, simplesmente quer distância. A dor da realidade da rejeição penetra no mais profundo e corroi cada possibilidade de estabilziar minhas emoções. A ansiedade já estava forte demais para ser verdade, somando-se essa cena eu me perco num princípio de surto, mas falo de forma que meus ouvidos possa ouvir minha voz repetir “eu vou ficar calmo, eu vou ficar calmo, eu vou ficar calmo”. Consegui não surtar. Um alívio para mim e para minha família que sofre junto comigo cada momento desse drama que parece não ter fim.

Enquanto a janta se apronta é hora de ir tomar um banho, é hora de tirar o mal cheiro do corpo, mas também de limpar o que apodrece na alma. Ao entrar no secreto, me debruço em oração, fazendo meu grito e clamor tomar uma proporção maior do que  eu mesmo. Hoje quero falar sobre o poder do clamor na oração. Eu entrei no banho sem vida e sem conseguir seguir. Por um instante fiquei sentado deixando a água correr, até que meu coração, movido por um desespero avassalador, começa a fazer a boca falar do que ele está cheio:

                                                Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
                                                Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
                                                        Embuçado nos céus?
                                                Há dois mil anos te mandei meu grito,
                                                Que embalde desde então corre o infinito...
                                                        Onde estás, Senhor Deus?...

Castro Alves conseguiu expressar um pouco da angústia que trago, nessa estrofe do poema Vozes d'África. O desafio de não ter a resposta desejada, ou melhor, de simplesmente não ter nenhuma resposta, o desafio de conviver com o silêncio de quem é o Único que pode oferecer socorro bem presente no momento da angústia e que parece inerte a isso tudo. Comecei a me derramar em oração e a apresentar a Deus o desespero no qual me encontro. A sensação de sufocamento começa a surgir e conforme a intensidade aumentava o meu clamor também aumentava. Eu estava ali, nú diante de mim mesmo e diante d'Ele, sem nada a esconder, apresentando todo o sufoco e angústia que me perseguiam. A oração é esse movimento nosso em direção à Trindidade perfeita, no qual colocamos tudo de nós num lugar que dá sentido (direção) e sentido (razão) para tudo o que vivemos, independente das circunstâncias. O lugar da oração nas nossas vidas é o lugar que reajusta o rumo da existência que nos encontramos. Foi no secreto que eu me entreguei de verdade, onde pude me apresentar diante de Deus com tudo o que tenho e com tudo o que sou, colocando todos os meus anseios, meus medos, minhas angústias, meus desejos e tudo o que precisa ser colocado porque não cabe mais em mim, diante d'Ele para viver na dependência d'Ele. Deus não me curou imediatemante, não me deixou bem e eu sinceramente não sei porque Ele não faz isso comigo, pois Ele sabe que sou o maior interessado na minha recuperação. Entender o Senhorio de Cristo na vida e na existência é reconhecer que as coisas não vão acontecer como planejamos, mas sim como foram feitas para acontecer e que isso tudo está debaixo do controle d'Ele.

[…]
Porém, quando disse “Estou”, pensou na mãe, nas grandes esperanças que tivera, e em como agora elas estavam para morrer. Sentiu um nó na garganta e lágrima nos olhos. Deixou escapar, no entanto:
- Mas, por favor, por favor.. o senhor não podia me dar qualquer coisa que salvasse minha mãe?
Até aquele instante, só olhara para as patas do Leão; agora, com o desepero, olhou-o nos olhos. O que viu o surpeendeu mais do que qualquer outra coisa. Pois a face castanha estava inclinada perto do seu próprio rosto e (maravilha das maravilhas) grandes lágrimas brilhavam nos olhos do Leão. Eram lágrimas tão grandes e tão brilhantes, comparadas às de Digory, que por um instante sentiu que o Leão sofria por sua mãe mais do que ele próprio.
- Meu filho, meu filho, eu sei. A dor é grande. Só você e eu nesta terra sabemos disso. Sejamos compassivos um com o outro. […]

As Crônicas de Nárnia – O Sobrinho do Mago; Capítulo 12

Acho que essa pequena parte das crônicas de Nárnia nos ajudam um pouco a refletir sobre a preciosidade da oração. Quando o menino (Digory) se percebe desesperado e sem saída é o momento em que ele chega até Aslam e fala da sua angústia, fala da sua dor e é nesse momento, no momento da dor, no momento da angústia que ele tem um encontro com Aslam e que o Leão tem a oportunidade de demonstrar que conhece intimamente a dor que se passa no coração do jovem garoto. Mais adiante, no livro, quando Digory é tentado a ceder aos desejos e impulsos de seu enganoso coração, a lembrança da lágrima de Aslam o torna forte para resistir na missão que lhe foi dada. Meu maior desejo hoje é um encontro com Aslam, é ver Aslam com a lágrima da minha dor em Seus olhos dizendo pra mim que só eu e Ele sabemos o que eu tenho sofrido. Com a vida de oração eu posso experimentar um pouquinho dessa sensação gostosa de tê-Lo ouvindo meu clamor, ouvindo “o meu pedido de socorro sussurrado em choro”*. A beleza de nos relacionarmos com um Deus Triuno é que a oração é um mecanismo que faz todo o sentido no exercício de nossa espiritualidade e não é apenas uma prática religiosa interente ao que cremos.

*trecho da música Conjura de Lilian e Jean Machado (Simonami)

Eu posso crer que tudo o que aconteceu na minha experiência durante o banho foi direcionada a um Deus pai, que existe sobre toda a existência; foi intermediada por um Deus filho, que governa sobre tudo o que existe e foi intercedido por um Espírito, que alcança aquilo que eu não sei orar e intercede aquilo que não é compreendido na existência. Sim, é na oração que eu me vejo existindo em Deus. AHh, que glorioso deleite o de poder me envolver me deixar ser envolvido pela vida de oração!

Muita gente fala sobre o poder da oração, no sentido de que a oração muda alguma coisa no mundo e/ou nas circunstâncias em nosso favor, mas creio que esse não seja o objetivo da oração. O poder da oração existe para que alguma coisa mude em mim em relação ao mundo e às circunstâncias. Estou aprendendo isso a duras penas, pois é difícil orar para que eu fique bem e não ver nenhum resultado (visível) acontecendo. Eu ainda tenho surtos, ainda tenho crises, ainda fico mal, a depressão ainda existe e ela me derruba todos os dias. Mas sabe, tenho aprendido cada dia que recuperação não é uma curva ascendente onde só temos melhoras e um “progresso visivelmente constante”. Existem dias melhores e dias piores no processo e isso não significa que retrocedemos, mas apenas significa que não é um dia bom. Faz parte. Muitos amigos e mentores repetiram isso pra mim várias vezes nesses meus últimos dias, mas confesso que a gente só percebe algumas coisas no processo com o tempo mesmo.

Resolvi sair do facebook, por mais que isso possa parecer mais um sinal de retrocesso meu, no sentido de que eu estou me anulando num espaço por culpa de outro alguém que não merecia que eu fizesse isso, mas preciso saber escolher as batalhas e preciso saber quais batalhas não quero lutar. Rede social pode ser destrutivo as vezes e é preciso muita sensibilidade para reconhecer que muitas vezes ela mais atrapalha do que ajuda. Me expor a ver imagens, fotos, bem como a interação de certas pessoas que me machucam muito é um desgaste que não preciso ter agora… Espero que isso tudo seja passageiro! Espero que isso tudo passe rápido! Agora a comunicação comigo pode se dar pelo e-mail bob.lfbc@gmail.com e vai ser assim até eu estar apto a voltar a usar o as redes sociais. Peço a vocês, meus amigos leitores e parceiros de caminhada, que tenham a liberdade de me escrever quando quiserem e o que quiserem, podemos manter contato e sei que vai ser saudável pra mim manter esse contato!

Minha esperança hoje é que todos nós possamos encontrar na oração o sentido de nossa espiritualidade, entendendo que fazemos o que fazemos porque sabemos em quem cremos e conhecemos o Seu poder que opera em nós! Que as dificuldades e adversidades da vida possam ser um gatilho que nos leve a uma postura de oração e de entrega em completa rendição a Ele, que está acima, governa e existe sobre toda a existência! Que possamos descobrir que existimos em Deus e que na oração podemos fazer Deus existir em nós, independente de qual seja a circunstância!