Sobre medo, ansiedade e continuar caminhando

Os últimos dias tem sido bem intensos e difíceis pra mim. A virada de ano foi horrível. Tive 3 surtos, fiquei extremamente ansioso e depressivo. A pessoa que me traiu usou de suas manobras pra passar o ano novo com amigos meus. Pra ele foi tudo ótimo! Enquanto eu caia em surtos, enquanto eu ficava na cama chorando, ele estava bem, aproveitando a vida com os amigos. Não posso evitar que isso aconteça afinal de contas, o problema da pessoa é comigo e não com nossos amigos em comum. Preciso lidar com o fato de que não tenho controle sobre as relações e as amizades. Não bastasse o ano novo me deixando em crise, a pessoa andou sendo visitada por amigos em um fim de semana de janeiro. Meus amigos daqui foram até lá passar o final de semana juntos. Foram a lugares que eu fui com a pessoa quando os laços existiam e os vínculos eram fortes. A pessoa que ma traiu tem feito de tudo para estar nos espaços, para se estabelecer nos grupos e demonstrar que está bem. Nas fotos, ele está feliz e bem, pelo jeito eu virei parte do passado. De pensar que eu me entreguei sem medidas. A falta de sensibilidade e respeito por parte dessa pessoa me machucam e pioram o meu processo. A necessidade de aparição que essa pessoa desenvolve e essa autoafirmação nos espaços é o motivo de eu ter tantos outros surtos. Os amigos em comum nem sonham com essa situação toda e preciso conviver com a constante memória e lembrança dele em mim. O sentimento de rejeição continua muito forte pra mim, mas tenho me esforçado pra não me deixar abater por isso!

A luta contra os pensamentos e sentimentos perversos continua árdua e difícil. Meu coração se perde num verdadeiro maremoto de sentimentos ruins e minha mente se encontra afogada e submersa, sem fôlego e cansada de tentar sobreviver nesse mar tempestuoso e salgado que são meus pensamentos. Como disse no último post, me ancoro na verdade que carrego de que meu coração é enganoso e de que não preciso ser levado pelo que penso e sinto.

Nesse processo todo, uma das minhas maiores dificuldades tem sido lidar com o meu medo de não conseguir me recuperar nunca. Quando se está no meio do processo é difícil demais ver perspectivas de recuperação e superação. Muita gente diz que eu vou superar, que eu vou vencer e que vou ver isso ser passado, mas pra mim não é tão simples assim. Embora todas as pessoas ao meu redor enxerguem esperança de melhora e recuperação, embora muitos digam até que eu já estou melhor e apresentando sinais de recuperação o meu olhar sobre o processo não vê essas perspectivas. Quem lida com o sofrimento ao acordar sou eu, quem lida com a dificuldade de controlar os pensamentos sou eu, quem lida com o desgaste de ir contra os sentimentos sou eu. Angústia não é algo que se mede com régua, ou se conta com os dedos da mão. A medida da angústia é subjetiva, é complexa, é própria de quem a vive e tem a dimensão que se sente ter. Eu vivo meus dias angustiado. Conheço gente que não superou a depressão e lida com ela por mais de 10 anos. Conheço gente que não conseguiu voltar a trabalhar e se aposentou por causa da depressão. Conheço gente que mesmo vivendo suas atividades normais ainda é depressivo e tem de lidar com isso todos os dias quando acorda. O medo de ser mais um desses que não supera é algo estarrecedor em mim e isso me deixa angustiado. Quatro longos meses já se passaram e eu continuo mal, sem conseguir me superar, sem conseguir avançar e seguir a minha vida. Muitos dizem sobre a minha melhora e sobre o fato de que eu estou apresentando sinais de recuperação, mas por mais que eu me esforce pra me convencer disso, vivo como se quatro longos meses tivessem passado e eu simplesmente não tivesse avançado em nada e isso gera angústia.  Não é uma angústia que se resolve simplesmente afirmando que eu vou melhor e que vou superar isso. Todos os dias eu presencio a batalha da angústia contra a esperança. Tem dias que a esperança vence e eu consigo levantar da cama, viver meu dia e fazer coisas, mas tem dias que a angústia toma conta. Nesses dias, acreditar que eu vou superar tudo isso torna-se um desafio distante demais de se alcançar. Infelizmente, os dias de vitória da angústia sobre a esperança são mais recorrentes. Quando a angústia prevalece sobre a esperança, me percebo fraco, me percebo frágil e sem perspectiva de recuperação e é nesse momento que a batalha contra o “coração enganoso” começa a ser travada e todo o desgaste e empenho do vigor são investidos na expectativa de tentar ficar bem, mas já comentei sobre isso no último post.

O que tenho percebido ao longo de minha jornada é que não aprendemos a conviver com o medo. Aprendemos a conviver e lidar com diversos sentimentos, mas não aprendemos muito sobre sentir medo e lidar com ele. A trajetória da humanidade é toda repleta por episódios de medo. As pessoas sentem medo o tempo todo e o tempo todo elas se depraram com a mesma reação de negação do medo. Aprendemos que o medo é algo que deve ser superado e portanto eu preciso negar o que estou sentindo no momento em que estou sentindo e “fazer o que deve ser feito” para depois dizer que fiz e venci o medo. Se eu tenho medo de gatos e me deparo com um gato no meu caminho, aprendo que eu posso “fugir” ou “superar” esse medo. Na primeira opção, eu saio correndo de perto do gato, na segunda opção, eu sigo meu caminho mesmo com o gato diante de mim, indo contra tudo o que sinto para que no final, após passar pelo felino eu possa dizer que superei o medo de gatos! Se tenho medo de altura e estou diante de uma passarela ou viaduto que me causa medo eu posso “fugir” e mudar de rota ou posso “superar” o medo e continuar caminhando, mesmo apesar da altura do viaduto e assim que eu chegar ao outro lado direi que superei o medo de altura. As reações para o medo sempre giram em torno dessa dicotomia de “fugir ou superar”. Essa maneira de lidar com o medo é válida, legítima e muito útil em algumas situações, quando você consegue personificar o seu medo em algo pontual (como um gato, a altura, etc), mas falar de medo não é falar de algo tão simples como se fosse um caminho de duas alternativas apenas. O medo pode se apresentar como algo que existe de maneira despersonificada e abrangente. Isso não significa que ele não é referente a algo, não sei se é possível sentir o medo pelo medo, mas sei que nem sempre o nosso medo é sobre alguma coisa única que se define com um substantivo singular.

O medo que eu enfrento hoje é um medo estruturado e estruturante em mim. Ele não é um medo pontual. Não é um medo contra alguma coisa. O medo que eu enfrento hoje não tem a ver com algo externo (como um gato ou a altura), tem a ver comigo mesmo! O medo que me cerca é sobre uma dimensão de mim mesmo e não tenho como dizer que vou “me enfrentar a mim mesmo” e “me superar a mim mesmo”. É dentro dessa perspectiva que quero te convidar a pensar o medo e a entender que muitas vezes o medo não vai ser algo a ser “superado”, mas vai ser algo com que vamos ter que aprender a conviver. Aprender a conviver com o medo é entender que ele existe e faz parte de quem eu sou e que ele não é fator limitante na minha caminhada, mas parte dela.

Ser cristão nesses momentos não ajuda muito. Não por causa da fé em si mesmo, muito pelo contrário, a fé tem sido meu esteio nesses momentos, mas por causa de alguns conceitos estruturais meio difíceis de dialogar no contexto religioso cristão. Não basta as pessoas acharem que depressão se resolve com uma oração, que é algo simples e que não tenho que dar muita bola, falar de medo no contexto cristão é quase que falar de frio pra quem cresceu no calor de uma cidade tropical. Os cristãos não tem uma boa relação com o medo e isso acontece porque na maior parte das vezes nós cristãos aprendemos a viver uma espiritualidade descolada da realidade e da humanidade. Precisamos aprender que nosso Cristo vem pra trazer vida na nossa fragilidade na nossa humanidade e não para nos transformar em super-heróis!! Cristo vem estabelecer o Seu Reino a partir da integralidade da dimensão do que é ser humano, isto é, Ele vem estabelecer Seu Reino a partir das minhas complexidades, subjetividades e contradições e não a partir da negação delas. Um texto que nos ajuda a pensar sobre o medo e a dimensão complexa que ele tem nas nossas vidas é o texto de I João capítulo 4:
16 Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse amor.
Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele.
17 Desssa forma o amor está aperfeiçoado entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele.
18 No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.
19 Nós amamos porque ele nos amou primeiro.
Peguei um recorte muito pequeno do trecho. Para analisar esse texto precisamos da compreensão de toda a epístola de IJoão e mais especificamente de toda a contextualização do capítulo 4. Era um tempo onde tinha muita gente ensinando muita coisa e entre esses falsos ensinamentos, muita gente ensinando que Jeus não veio em carne. A Epístola de I João é uma carta de advertência para que o povo não se perdesse na multidão de besteiras que estavam sendo publicadas, por isso você vai ver João advertindo sobre Andar na Luz, Não amar o Mundo, uma grande parte dedicada a advertência conta os Anticristos. O capítulo 4 começa com uma advertência clara de João para que o povo aprenda a discernir os Espíritos e o critério utilizado é Jesus Cristo. Jesus Cristo veio em carne, essa é a verdade. A partir do versículo 7 até o final do capítulo, João se dedica a falar sobre o Amor, descrevendo sua origem em Deus e mais especificamente sua manifestação na comunidade.

Muita gente usa esse trecho pra falar que somos proibidos de sentir medo e pra falar que o cristão não sente medo porque sente o amor de Deus! De certa forma é “sensato” pensar assim quando se lê o versículo 18 isoladamente, mais especialmente o seu final que diz que “Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor”. O ponto é que esse versículo não está sozinho no trecho e ele não pode ser analisado como o todo porque ele não é.

A perícope toda fala sobre o amor de Deus e a manifestação desse amor na comunidade. Esse texto não fala sobre sermos heróis perfeitos que não sentem medo. O que esse texto nos ensina é que diante da comunidade eu não preciso ter medo porque a atmosfera de amor da comunidade me envolve (ou deveria me envolver) e me deixa confortável pra ser quem eu sou. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor porque conforme você vai se envolvendo com a comunidade de fé que manifesta (ou deveria manifestar) esse amor incondicional de Deus, você vai se sentindo confortável pra ser quem você é, mesmo que esse alguém que você é seja alguém que possui um medo estruturado e estruturante! A ideia do texto não é individual e sim comunitária! O verdadeiro amor, o amor incondicional de Deus te deixa livre e te respeita nas suas complexidades e subjetividades!

Não felizmente, ou infelizmente, posso dizer que essa é uma utopia longe de tocar o plano do real na estrutura eclesiológica que existe hoje. Estamos preocupados demais em sermos juízes e defensores da boa moral e costumes dentro das nossas comunidades. Não há espaços pra falarmos de nossas dores e de nossas contradições, estamos perdendo muito tempo tentando bancar a imagem de heróis da fé. Se convivêssemos mais com a dor, com a complexidade, com a contradição e com a subjetividade que existe em cada um, essa atmosfera de amor seria mais tangível e mais real em nossas comunidades. Tenho tido a experiência de participar de uma comunidade de fé que me proporciona um pouco disso. Em pouco tempo já consegui me abrir pra algumas pessoas da comunidade, sem medo de ser quem eu sou, sem medo de expor minhas feridas e minhas dores. Sem medo de ter medo. Esse pouco tempo de convivência com essa comunidade de fé me ajuda a viver com mais humanidade, mais verdade, mais cumplicidade e mais certeza de que o amor de Deus me alcança na profundeza da minha humanidade.

Quatro meses já se passaram e eu ainda estou doente mental, esquizofrênico e depressivo. Talvez eu vá continuar assim pelo resto de minha vida e isso me dá muito medo! Tenho medo de nunca superar a traição que vivi, tenho medo de não superar a rejeição, tenho medo de ter de lidar com um novo relacionamento surgindo e a perpetuação de que eu virei passado na vida de quem muito amei e de quem muito me entreguei. Tenho medo de não superar essa dependência emocional que me deixa cativo e prisioneiro de outra pessoa. O meu medo é real, é profundo, faz parte de quem eu sou e o que eu tenho feito é aprender a conviver com o fato de que vou acordar nos próximos dias com esse medo presente na minha vida. Eu não preciso nem fugir nem superar esse medo, pois não se trata de algo que se resolve atravessando um viaduto ou enfrentando um gato. Aprender a conviver com o medo é aprender a torná-lo parte da caminhada. É entender que vou continuar sentindo medo, mas também vou continuar caminhando pois o medo que sinto não é antagônico ou opositor da minha caminhada, muito pelo contrário, ele é parte dela.

Sei que muito do medo que sinto existe por causa da minha ansiedade. Aprender a conviver com a minha ansiedade não tem sido nada fácil. Quero estar bem logo, quero superar tudo logo, quero ver resultados da minha recuperação aqui e agora. Aprender a ser paciete comigo tem sido um processo muito doloroso e muito cheio de desafios também. Eu sempre fui uma pessoa muito ativa, viva, cheia de energia e cheia de atividades. Me perceber sem atividade, sem ter uma agenda cheia, procurando coisa pra fazer pra ocupar a mente, me tráz uma sensação de invalidade e invelidez muito grande. Me sinto um inútil, me sinto como uma pessoa que perdeu a vida. Era pra eu estar viajando nesse momento, era pra eu estar ativo no ministério, cuidando de pessoas, pastoreando, ensinando, dando oficina, fazendo alguma coisa. Quando percebo que estou em casa passando o dia lidando com pensamentos e sentimentos que me paralizam, isso tudo faz eu me sentir como um completo derrotado. O meu medo é potencializado pela minha ansiedade de querer ficar bem logo e de não ver nenhum resultado a curto prazo. Meus amigos de caminhada frequentemente precisam me mostrar sinais da minha recuperação porque eles não aparecem pra mim. É como se meus amigos tivessem de me lembrar toda hora “Viu, Bob, você está melhorando”, “Bob, olha pra isso, você está se recuperando”, “Bob, perceba aqui, isso significa que você está melhorando”. Sem esses meus amigos eu realmente não sei como estaria sendo minha caminhada. São esses meus amigos que me fazem perceber que o caminho e o processo são difíceis e dolorosos e demorados, mas que eu não estou estagnado nele. Percebi que eu tenho uma forte tendência ao isolamento quando estou em depressão. Eu simplesmente me isolo, me afasto das pessoas e das situações. Muitos amigos acabaram se afastando de mim. Alguns porque de fato nunca foram amigos de verdade, só estavam comigo pelo interesse do que eu lhes podia oferecer. Outros porque entenderam que esse afastamento era um movimento meu e quiseram respeitá-lo. Graças a Deus pelos amigos que mesmo apesar da minha tentativa de isolamento não se afastaram. Pelos amigos que continuaram me perguntando toda a semana como eu estou e como estou me sentindo. Graças a Deus pelos amigos que me ligam de longe pra conversar comigo, saber como foi meu dia e para dizer que isso tudo vai passar. Graças a Deus pelos amigos que continuam fazendo questão da minha presença nos lugares. Graças a Deus pelos amigos que trazem esperança pra minha caminhada.

É difícil ver que 4 meses se passaram e eu continuo depressivo. O medo de não superar isso nunca é real e vivo em mim. Não ter medo de sentir medo é o que tem me feito caminhar, mesmo com medo. Saber que posso ser um menino que tem medo e que caminha, pois o medo faz parte da caminhada me consola e me faz dar o próximo passo! Meu desejo hoje é que possamos ser uma comunidade mais acolhedora, mais preocupada com o subjetivo, o complexo e o contraditório de cada indivíduo que perpassa nossa história. Que possamos aprender que não precisamos ter medo de sentir medo nem precisamos nos sentir menores ou menos crentes por estarmos com medo, mas que possamos aprender a lidar e conviver com esse sentimento que por muitas vezes é o que vai dar sentido pra nossa caminhada.

Comentários

  1. Querido Bob, que medo e que tristeza de não viver um Evangelho na pleno. Tenho medo de acreditar ser um cristão sem nunca ter entendido e vivido a grandeza e a profundidade das palavras e dos atos do meu Mestre.

    Suas palavras, em meio à dor, tem me ajudado a compreender nuances da vida, que não são entendidas em meio às alegrias.

    Juntos na caminhada. Bj

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    1. Obrigado por continuar caminhando comigo e por me ajudar nessa jornada. Tem sido uma alegria sem fim dividir a jornada com você!!! Deus abençoe!!!

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  2. Querido Bob, que medo e que tristeza de não viver um Evangelho na pleno. Tenho medo de acreditar ser um cristão sem nunca ter entendido e vivido a grandeza e a profundidade das palavras e dos atos do meu Mestre.

    Suas palavras, em meio à dor, tem me ajudado a compreender nuances da vida, que não são entendidas em meio às alegrias.

    Juntos na caminhada. Bj

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