Sobre sombras e voltas

 Sabe, voltei a escrever bem… E voltar a escrever bem não é um bom sinal… 

Registrando em tempo, hoje é dia 05 de Abril de 2024 e agora é meia noite e 15 (isso significa que 15 minutos atrás era dia 04 de Abril).

Quando as palavras escritas me vêm desse jeito mais intempestivo e fluído, com essa carga de poesia em conto e afeto suspirado em cada frase que se lê, significa que minha melodia é dor e a harmonia que me conduz é desesperança.

Eu trabalho com palavra... O discurso é, atualmente, uma das minhas maiores ferramentes de sobrevivência. É através da fala que sou reconhecido em muitos lugares e por causa da fala que eu faço meus bicos que fazem a minha renda mensal. Uma palestra aqui, uma oficina ali, raramente uma tradução simultânea... Um convite pra escrever um texto, uma entrevista cedida... É pelo que falo e escrevo que me sustento em vários sentidos.

Estranho dizer que quando eu estou bem as palavras escritas me são mais difíceis enquanto a eloquência diplomática flui com muita naturalidade. Fazer "espontâneo", mediar conflitos, debater por horas, tudo isso vai como rio que flui sem barreira quando eu to bem. Ultimamente tem sido o oposto. Escrever sobre angústia e dor me soa muito familiar enquanto o Bob membro da ONU que tem a reputação diplomática como traço de personalidade se escondeu encolhido atrás da realidade que o atravessa como criança que foge de injeção.

Avaliar esse balanço me ajuda a ter mais parcimônia comigo, porque talvez diferente dos outros momentos, não preciso descobrir que estou mal… Eu já sei que estou. É hora de voltar a trocar e-mails com meu psicólogo, quase que diariamente como já foi 10 anos atrás… Na busca por um psiquiatra humano nessa selva de pedra chamada São Paulo, já gastei 150 reais por 5 minutos de conversa com um CRM que me pediu pra chamar o próximo paciente pois ele estava ocupado demais sentado na sua mesa respondendo ao whatsapp dele… Meu incrível Psiquiatra, Dr. André, sempre disponível a me atender online quando preciso, tem segurado a barra até aqui, mas a recomendação é um profissional que me acompanhe mais de perto e meu recurso é o plano de saúde recém contratado.

As vezes tenho a impressão de que vou sempre viver ciclos rompantes de 10 em 10 anos… Confiar nos números tem sido mais consolador que confiar no Deus a quem servi e com quem me relacionei nos últimos anos. Mas calma, esse ainda é um texto sobre fé e esperança… Pelo menos é um esforço sincero nessa direção.

Uma conversa importante que tive essa semana foi com minha Mentora e amiga, Marilia Schuller, que serviu ao Conselho Mundial de Igrejas por mais de 20 anos. Uma senhora metodista, teóloga e mestra em ciências da religião pelo Instituto Bossey que acolheu minhas lágrimas que a tempo se escondiam na força do jovem diplomata e negociador internacional de direitos humanos. Na conversa com ela, chorei como um bebê enquanto ela me convidava gentilmente a “lançar mão das imagens que fortalecem a minha fé” depois de generosamente compartilhar sua experiência de buscar ‘por ficar aos pés de Jesus’ para descansar quando se sente angustiada. Marilia é Mestra, trabalhou com ecumenismo por anos na maior e mais representativa organização cristã ecumênica do mundo, uma instituição cuja reputação é reconhecida pela ONU e pelo Estado de Santa Sé (da igreja católica apostólica romana). O CMI tem status consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Enquanto conversava com Marilia, me deparei com a contemplação de perceber com quem conversava. Eu estava diante de uma mulher respeitada internacionalmente por sua atuação no campo teológico e social. Marilía é o legado encarnado do trabalho entre igreja, academia, sociedade civil e movimento social.

Marilia leu Foucault, viu a teologia feminista surgir, contemporânea de nomes como Ivone Gebara... Falava sobre corpo e sexualidade antes de Marcela Althaus-Reid entrar no seminário. Ela é uma excelente acadêmica e tem um trabalho de articulação e militância que é referência no mundo. E essa mulher falou comigo… … falou comigo sobre... ... discipulado… Exatamente o que você leu, DISCIPULADO!!!! Marilia conversou comigo sobre oração, sobre jejum, sobre louvor e adoração, sobre palavra de Deus.

Eu chorava de saudade de quando essas conversas faziam sentido pra mim. Em que momento eu me perdi na 'teologia queer decolonial progressista' que me fez esquecer que orar pode acalmar as tempestades do meu mundo? Escrevi tanto sobre ‘quando a oração não aclama’, os registos estão nesse blog aqui... escrevi sobre quando Deus não responde e vivi a encarnação de quem sentiu que Deus abandonou. Enquanto orava por mim, Marilia lembrou de Jesus na cruz dizendo “Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?” e enquanto ela orava por mim, não ouvi citação de nenhum filósofo, cientista da religião, teólogo contemporâneo. Ouvi a palavra discipulado como não ouvia há 10 anos.

Eu lembro quando minha agenda de trabalho era pensar propostas de discipulado, treinamentos, oficinas, sermões. Minha remuneração dependia de doações voluntárias que mais de 130 parceiros (entre igrejas, famílias e pessoas) faziam com que eu tivesse, todo mês, uma boa renda pra me dedicar integralmente a isso. Lembro também que, pra que essa fosse minha principal ocupação, precisei fingir ser quem não era. Até quase casar com uma menina eu fiz... 

Minutos depois da conversa com Marilía, coberto pela poderosa presença de Deus manifestada na sala do meu apartamento em Guarulhos, leio a resposta de e-mail do meu psicólogo que em sua generosa sabedoria me perguntou sobre meu sentimento de protagonismo e a sensação de isolamento que me cercava. Um desespero em ser visto e validado como relevante alcançou as profundezas de um jovem adulto que aos quase 30 anos de idade, se vê decepcionado com não ter conseguido ir na reunião presencial com o presidente da ONU na qual só ele e outros 4 jovens conseguiram a proeza de estar.

  • Obs: esse ano vai acontecer mais uma edição do Fórum de Juventudes das Nações Unidas e todas as pessoas da ONU que tem menos de 30 anos vão poder participar, são mais de 2 mil participantes. Durante o evento (que vai acontecer em Nova York) o Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas (Presidente da ONU) vai ter uma reunião com 5 jovens destaques que tiveram atuações relevantes em 2023 e eu fui um dos 5 selecionados. Infelizmente, como não é um evento convocado, não tenho custas pagas e, portanto, não vou conseguir participar do evento porque não consigo pagar. Enviei email pra todas as organizações possíveis, mas infelizmente nada foi possível fazer. Eu faço 30 anos em Julho e, ao que tudo indica, ano que vem não serei mais qualificável a participar do evento.

De repente me perdi na dor de não ter conseguido ser visto e ouvido. O Deus que me disse que falaria aos líderes das nações me fez falar com vários, mas na hora de falar com a maior autoridade das Nações Unidas a provisão não veio. É como se Ele tivesse tirado de mim o direito de colher o fruto do meu trabalho. E é com essa sensação que eu convivo nos últimos anos… Os frutos nunca são direitos que me permito usufruir. Na verdade, nunca me permitiram colher esses frutos.

Registrando em tempo, hoje é dia 14 de Abril de 2024 e agora é meia noite e 23 (isso significa que 24 minutos atrás era dia 13 de Abril).

Em mais uma noite de crises e angústias sem fim, o que me atormenta é saber que aos quase 30 anos de idade, faz 16 anos que não tiro um mês de férias de verdade. Quando eu tava de férias da escola, tinha coisa no ministério. Quando tava de férias de uma graduação, não tava da outra. Quando tava pausado no ministério precisei caçar freela pra pagar as contas. Férias mesmo, daquelas que não se faz nada, não sei desde os 14 anos, quando "doei minhas férias pra Missões" pela primeira vez e desde então, sempre foi assim. Doei as férias, doei meu ensino médio, doei minha juventude, doei minha vida... Doei por uma causa que hoje faz de mim refém. Encerrei o parágrafo anterior falando sobre não colher frutos e o que me acompanha é exatamente essa sensação.

Em 2016 eu escrevi um texto nesse mesmo blog onde citei a seguinte afirmação da poetisa portuguesa Florbela Espanca:
"Viverei com certeza um terço do que poderia viver porque todas as pedras me ferem, todos os espinhos me laceram. Dom Quixote sem crenças nem ilusões, batalho continuamente por um ideal que não existe; e esta constante exaltação, desesperada e desiludida, destrambelha-me os nervos e mata-me." Florbela Espanca

Em 2016, quando escrevi o texto que citei essa frase, versava nos meus escritos sobre mágoa, rancor, ódio e dor que se pareciam intransponíveis á época e que eu sentia que carregaria para sempre em minha caminhada de vida. Quando releio esse texto, fico lembrando de como era difícil levantar da cama, de como era angustiante sair de casa, de como meu coração pesava e de como eu não conseguia fazer nada além de sentir um aperto imenso no peito que me tirava o ar e me sugava todas as energias. Escrever era um escape e o paradoxo que me salvava era saber que havia que se empenhar muito vigor para manter a concentração nas palavras digitadas, mas ao mesmo tempo elas me fluiam como nadador profissional em correntesa favorável. Mais ou menos como me encontro nessa madrugada.

Se sei pontuar as semelhanças e similaridades, sei perceber as diferenças das circunstâncias também... Em 2016 eu era solteiro, recém saído de uma relação abusiva e tóxica causada por uma vida dupla de um jovem que não tinha sua sexualidade assumida por conta do ministério evangélico que percorria. Em 2024 me encontro casado, morando com meu marido e antes de abrir o notebook fiquei por horas no colo dele chorando, conversando, elaborando a crise munido de todos os repertórios que hoje me são possíveis, conquistados pela Terapia Ocupacional, pela Psicoterapia, pelas consultas Psiquiátricas e pela convivência no exercício de acompanhar a dor das pessoas.

Se em 2016 me assustava com a palavra esquizofrenia enquanto uma roupa que me veste, em 2024 ela é, em alguma medida, o conforto de saber que vivo o que vivo do jeito que vivo porque caminho com essa parte de mim por onde carrego e não tem como deixar de ser. Ao passo que "esquizofrênico" não me define por completo, me dá amparo pra controlar e lidar com existências que outrora me assombravam.

Queria poder falar sobre os desafios que enfrento em minha igreja local no dia de hoje enquanto escrevo, mas só disso valeria um post maior do que esse aqui já está... E eu mesmo não me sinto confortável em relatar, então fica na sombra do esconderijo do Altíssimo que cuida melhor da Comunidade MESA do que eu mesmo, dado o pastor fraudulento que sou (ou pelo menos assim me sinto). Se arrependimento pudesse virar filme, contaria uma história linda digna de Óscar sobre como foi bom investir na igreja local prioritariamente! Antes de qualquer coisa, ter apoiado minha igreja deveria ter sido meu principal objetivo. E errei por não tê-lo feito, motivo que também aperta o coração angustiado dessa madrugada.

E talvez a resposta da pergunta que muita gente se faz: "Mas, Bob, e a medicação?"... em dia, pessoal. A despeito do CRM de 5 minutos que me atendeu sem se mover na minha direção, conheci uma outra psiquiatra que recusou digitar no computador e preferiu o lápis para escrever enquanto olhava nos meus olhos. Muito técnica e objetiva, sem muitos rodeiso e reconhecendo seu lugar no processo. Ajustamos a medicação e eu já estou tomando.

Sabe, tem noites que nem todo remédio do mundo diminui o aperto no peito, o coração aflito e alma desolada. Talvez eu tenha algo que não se cure... E nada sabe excplicar ou faz curar minha desolação e solidão. Nem o abraço do Guilherme, que tava comigo agorinha. Nem as páginas que escrevo no meu diário (ou nesse blog). Nem qualquer DR, até porque pra ter DR tem que ter relação e minha sensação as vezes é que Deus já foi embora há muito tempo. O último apaga a luz, eu nem sei porque ainda mantenho acesa.

Sei que muita gente que me lê me ama e sei que recebo afeto e carinho... Mas sabe, o Deus que pediu pra vocês me amarem talvez não se importe se vocês me amam ou não... E amar dá trabalho e eu já sou fardo demais na vida de muita gente... Vou viver! Não se preocupem com isso, vou viver! Porque quero viver e tenho muito pra viver. Mas quero uma vida real! A fé me iludiu e me exauriu todas as energias e eu vivi uma vida cheia de significados, mas só isso... Só significados vazios que precisam de fé pra sustentar... Fé que nem todo mundo tem e nem sempre dá pra ter mesmo...

Nas reflexões sobre Eternidade, que fazem ecoar tudo o que acontece em vida (segundo o filme Gladiador) e também na reflexões sobre um Deus Eterno, que faz dar cabo e sentido a tudo que se finda no que temos conhecimento e conhecido, penso que essa Eternidade se encontra no meu aqui e no meu agora... Desolado, sem conseguir dormir e com dosagem de medicação... Tendo que viajar pra Curitiba em alguns instantes pra lidar com desafios do ministério pastoral sem qualquer condição efetiva e eficaz de fazê-lo... Se há uma graça que sustenta, talvez ela não enxuge as lágrimas dos meus olhos agora e eu mesmo tenha que fazer isso com a estola que investiu-se nos meus ombros. Se há uma graça que sustenta, que me faça ser capaz de oferecer conforto a quem tem dor e vive um caos que atravessa o meu.

Já que não vou ter férias tão cedo, não quero mais apenas CRER em um Deus que sabe dançar e transforma meu pranto em dança... Quero me ver sendo levado passo a passo nos rítmos desse devir eterno que faz meu aqui e meu agora.

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